domingo, 20 de março de 2011

Obrigado Deus, pelas boas empresas que melhoram meu viver!

          Estava fazendo algumas pesquisas na internet e acessei um blog criado especialmente para publicar os artigos e textos de Luiz Felipe Pondé, para quem não conhece, um filósofo acadêmico crítico das grandes crenças, mas que defende algumas quando exerce a função de filósofo midiático. Fiquei surpreendido com o fato de alguém ter o trabalho de criar um blog para postar algo que não é seu, ao invés de escrever seus próprios artigos, mas isso me deixou intrigado e me levou a tentar olhar com um pouco mais de atenção os escritos de Pondé, pois, o que eu lera até o momento não tinha desencadeado um mínimo de interesse. Acabei acessando um debate entre Pondé e Marcos Nobre (filósofo da Unicamp que pratica o feijão com arroz da esquerda acadêmica) cujo tema era os conceitos políticos de direita e esquerda. Chamou-me a atenção algumas afirmações de Pondé: primeiro, “uma sociedade de direita é a que valoriza a liberdade individual, em que o governo não se lance a dirigir gestos, palavras e visões de mundo” e segundo, “tenho mais medo do Estado do que de uma empresa”. A primeira afirmação parece de um político em campanha, mas Pondé gosta de elaborar discursos polêmicos a fim de parecer um pensador que foge dos padrões politicamente correto e ao mesmo tempo continuar com o salário da mídia que lhe paga. Crítico ferrenho dos valores culturais e conservador no âmbito político-econômico, não é muito original para um leitor de Nietzsche, pelo menos Pondé não se dá ao trabalho de plagiá-lo, apesar de criticar a religião tenta salvar Deus dos ataques de ateus, enfim, jamais afirmaria que Deus está morto. Mas voltando a suas afirmações, Pondé pode argumentar, por ser um pensador trágico, que a grande tragédia é reconhecer que a direita é melhor que a esquerda. Puxa! Que sagaz! Mais adiante ele cita uma afirmação de Mario Vargas Llosa: a esquerda levou historicamente uma surra na economia, mas controla a cultura. Tentativa de desqualificar totalmente o pensamento de esquerda, afinal, se não há uma explicação para a vida na qual vivemos, se não conseguimos elaborar um modo de viver que concilie nossas aspirações com a contingência é porque a visão de mundo que tenta propor essa conciliação é equivocada, e essa visão é da esquerda. Primeiro, quando ele, como Vargas Llosa, fala que a esquerda controla a cultura, estão se referindo especificamente ao marxismo, e, segundo, isso é uma grande asneira. Claro caro Pondé, podemos ouvir nos telejornais, nas novelas, no Big Brother, a todo instante pessoas dizendo em “greve”, “exploração”, “proletário”, “mais-valia”, entre outros conceitos do marxismo. Tirando Cuba e segmentos das universidades públicas dos países latino-americanos o marxismo é uma página virada da história, como, desconfio, no restante do mundo ocidental também, mas isso é outra história que pretendo prolongar em outro momento. Mas Pondé se apega especificamente aos segmentos marxistas das universidades públicas para fazer sua afirmação e, consequentemente, trampolim para seu discurso em defesa da direita.
        Realmente é verdade: um regime de direita liberal dificilmente utilizará suas instituições políticas para obrigar, no sentido forte,  pessoas a terem uma visão de mundo, contudo, tal regime também não desmonta o aparato jurídico-policial, apesar de todo discurso em defesa da liberdade. São utilizadas como instituições reguladoras da ordem vigente, mas continuam com os instrumentos necessários para uma intervenção na sociedade a fim de impor uma visão de mundo. Mas quando isso ocorre o regime deixa de ser de direita liberal e passa a ser de direita autoritário, e como mostra a história, no momento de impasse geralmente os liberais se abstêm de definir as diretrizes da ação política, deixando o jogo sujo aos autoritários, refugiando-se nas redações de jornais para escrever artigos sobre a importância da liberdade de imprensa e defesa dos direitos civis e aguardando o momento apropriado para retornar aos antigos postos na máquina do poder. Os autoritários aproveitam-se de um processo de desequilíbrio de forças, geralmente motivado por um conflito na forma de administração do Estado, centralizam as instituições políticas, e utilizam-nas para intervir na visão de mundo e acabar com as divergências. Os liberais saem de cena, pois o autoritarismo de direita não é um bicho de sete cabeças, seria a de esquerda, já que a administração do Estado em relação à economia continua muito parecida. Muda o uso do aparato jurídico-policial, e quando Pondé diz ter medo do Estado, o que lhe causa preocupação é essa forma de administrar utilizando-se da violência, e que na vias de fato pode chegar ao extermínio físico. Ocorre o evidente problema de ascensão de algum ditador (ou militares, se preferirem) cuja visão de mundo pode remeter à religiosidade, militarismo, ou qualquer outra loucura que diminua a eficácia da clássica “mão invisível do mercado”, e, lógico, aumentando o risco de respingar atos de coerção nos próprios liberais quando estes endurecem na crítica ao perceberem que o controle das instituições pode se prolongar além do aceitável. Enfim, Pondé sabe que um governo de direita pode dirigir gestos, palavras e visões de mundo, mas para não precisar entrar em detalhes sobre a diferença entre liberais e autoritários cita as empresas como contraponto ao Estado, sugerindo a relação Estado-esquerda. Em um regime liberal as instituições políticas não visam o controle ideológico, mas primordialmente o econômico, com as empresas sendo as figuras fundamentais dentro das instituições, pois como principais interessados no jogo econômico solicitam a participação nas definições das ações políticas. Palavreados ensinados em uma faculdade de economia como taxas, tarifas, déficit, entre outros, tornam-se os conceitos relevantes em um regime liberal. Ou seja, as empresas adotam uma ação estratégica em relação a elas mesmas, preocupadas em melhorar as condições para maximizar seus lucros. E o que ocorre na percepção de quem vive sob o regime liberal? Como essa atuação no Estado tem o objetivo de promover somente ações na esfera da economia e em nenhum momento há propostas de políticas públicas no âmbito ideológico da sociedade, surge a crença que as empresas se preocupam pouco, ou nada, com as ideias e atitudes das pessoas, a não ser como consumidoras. Mas, as empresas se preocupam, e muito!
        Assim, para começar, vou dar uma lambuja para empresas e considerar que o alto índice de desemprego desde o início dos anos 80 e começo do neoliberalismo decorreu de ações que visavam somente uma melhor opção econômica naquele momento e do avanço da tecnologia, ou seja, vou considerar o desemprego como consequência única de fatores estruturais do regime econômico. As acusações de que as empresas utilizaram-se das instituições políticas para promoverem a desmobilização de organizações dos trabalhadores a fim de implementar com facilidade e agilidade os programas econômicos desejados são consistentes, mas, mesmo assim, pode-se argumentar que tais embates ocorrem especificamente na esfera econômica, sem um amplitude ideológica como fora as intervenções realizadas pelo regime comunista, por exemplo. Enfim, não desejo entrar em detalhes sobre o funcionamento de uma política econômica global e sua repercussão ideológica, mas discutir a partir do ponto de vista de uma pessoa que precise trabalhar. Seja um ex-presidiário querendo se “regenerar”, um sem teto, um ex-drogado, enfim, os chamados “párias” da sociedade e não conseguirão nem passar pela porta de entrada de uma empresa. Tatuagem de cadeia, roupas puídas, braços picados, desdentados, os “párias” poderiam até mentir na elaboração de um currículo, mas as marcas de sua vida no corpo fecharão qualquer porta para um emprego que lhes dê a condição de pelo menos sonharem em uma vida luxuosa e sem preocupações materiais. Primeira lição fornecida pelo segurança que controla o fluxo de pessoas numa empresa e que você tem a obrigação de aplicar em sua própria vida e ensinar seus rebentos: nunca leve uma vida marginal, nunca pratique um ato de loucura ou desespero, leve sempre uma vida íntegra caso deseje ter um “bom” e estável emprego. O avanço do desemprego, e a grande quantidade de pessoas dispostas a qualquer coisa por um trabalho não tão humilhante, permitiu ao departamento de recursos humanos das empresas aplicar, e refinar, uma série de técnicas de seleção, controle e policiamento. Conseguir um emprego e conseguir manter-se empregado vem se tornando inviável para uma pessoa que não adquira efetivamente um estilo de vida fundamentado na assiduidade, competitividade, espírito de liderança e pró-atividade, respeito à hierarquia, entre outros palavreados ensinados numa faculdade de administração de empresas. Técnicas de psicologia são aplicadas no processo de seleção e no cotidiano, a fim de selecionar e manter funcionários que possuam efetivamente o espírito da empresa seja ela qual for. As técnicas de policiamento e punição, antes exclusividade da chefia, disseminaram-se, estimuladas pelo departamento de recursos humanos, entre os empregados ávidos em terem um diferencial a fim de se manterem estáveis em eventuais cortes, ou galgarem algum cargo dentro da empresa. Esteja grávida e dirão: “essa mulher não tem comprometimento com a empresa!”. Seja tímido e dirão: “esse rapaz não tem espírito de liderança!”. Tenha um filho doente, falte e dirão: “essa moça está atrapalhando o desempenho da equipe com suas faltas!”. Esteja doente e dirão: “será verdade?”. Dependa de um transporte coletivo ridículo, chegue atrasado ao emprego e dirão: “é irresponsável, fulano mora mais longe e chega no horário todo dia!”. Questione o chefe e dirão: “tem problemas com hierarquia!”. Aparecerá uma psicóloga que lhe dará conselhos, dirá sobre a importância de se portar bem e abaixará sua estima apontando uma causa psicológica para suas más atitudes. Evidentemente que é muito importante “portar-se bem”, mas para poder diminuir atos que sejam onerosos para a empresa, aplicar com eficiência a previsibilidade no âmbito da produção e distribuição do que se vende e aumentar a produtividade. E simplesmente não há como limitar essas estratégias, por possuírem juridicamente o estatuto de pessoas as empresas adquirem uma liberdade similar às pessoas físicas em relação a sua organização e expressão. Não seria um regime liberal que diria a elas como agir. Agora, pense bem, se juridicamente as empresas são tratadas como pessoas, o que impediria as pessoas praticarem uma correlação inversa, ainda mais, quando são estimuladas cotidianamente a agirem visando à maior produtividade possível?  Análogo às empresas, cada pessoa busca ser produtiva, cada palavra e gesto passa a ter um objetivo, a de lhe trazer fortuna ou uma vantagem para atingir essa fortuna. E não se trata só de uma instrumentalização da razão para atingir certos fins, não é uma questão de planejamento frente às contingências, é estar no mundo maximizando todas qualidades, mesmo se elas não tiverem um mínimo valor. Mas igual ao mundo das empresas nem todas estratégias das pessoas são certeiras, nesse caso, o que fazer? Decretar falência? Enfim, é estar no mundo sendo um ganhador ou um perdedor. Alguém duvida que não exista uma visão de mundo por trás destes gestos? Um pragmatismo que não é estimulado pelo Estado, mas elaborado dentro do espaço das empresas e transportado para toda sociedade.
        Como os famosos que sempre mencionam em entrevistas como levou uma vida pobre e dura a fim de criar uma empatia com seu público miserável, o filósofo Pondé também faz questão de sempre mencionar, ou que o entrevistador mencione, seu estágio em um necrotério da Bahia como influência ao seu pensamento trágico, a fim de criar uma empatia com uma classe média que tenta a todo custo se portar como crítica e inteligente. Sobre essa classe média tecerei comentários em outro momento, depois de me medicar com Dramin. Assim, também vou praticar o estratagema de dizer algo da minha vida para criar uma empatia com os trabalhadores perdedores que nem um carro conseguiu comprar ainda. Pratico uma filosofia de trem, precisamente a da linha Luz-Rio Grande da Serra, em São Paulo, e no vaivém constante para trabalhar é comum ver três tipos de pessoas. O primeiro dessa taxicomonia ferroviária são os trapaceiros, mendigos, vendedores de qualquer coisa, doentes, que foram deixados, e assumiram, a marginalidade em relação à vida das empresas. Pegam o trem para o ganha-pão, muitas vezes maior que o salário do funcionário de uma empresa, e perceberam a pouca chance de uma vida melhor dentro de uma, mas sofrem o preconceito por ter abandonado essa visão de mundo, apesar de utilizarem do palavreado das empresas a fim de ludibriar, como os publicitários fazem, quem ouve. O segundo são aqueles que têm um pouco de cérebro, ou já viveram bastante para perceber, ou simplesmente sentem que o dia-a-dia do trabalho não levará a lugar nenhum. Porém, a incapacidade de romper com o único meio de sobrevivência que possui um status de digno, frustra quem não aguenta mais ser ator para fingir que tudo está bem no trabalho. E por fim, a maioria, aqueles que são tão imbecis que não percebem nada e assumem totalmente a visão de mundo das empresas. Só falam do cargo, do companheiro ineficiente, do carro, do celular, e sonham em ser, pelo menos, como um assistente do Roberto Justus. Essa é a grande tragédia de nosso tempo, a produção maciça de mentes lobotomizadas e corpos adestrados para uma vida de trabalho, mas o que fazer? Retire isso da maioria e será como um burro de carga sem carga para puxar. Se ainda houvesse pasto para todos!
          Bem, não terminaria sem citar que o título da postagem é o título de uma música do Mukeka Di Rato cuja letra demonstra de modo irreverente o desgosto com a vida nas empresas. Mas esses capixabas são somente “moleques irresponsáveis”, não são filósofos conceituados de uma universidade ou jornal. Mesmo assim, fica a dica para o Sr. Pondé, levando em conta seus argumentos o título da postagem também seria ótimo para o título de um futuro livro.